segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Reflexão sobre DEUS...


Não há contradição alguma em deixar para lá o ímpeto de afirmar e reafirmar a existência de Deus a todo instante e mesmo assim se apresentar como um ser de fé. Para quem duvida, veja que boa resposta.


Texto: Rubem Alves


A tenda do Mestre Benjamim estava cheia. Uma velhinha de voz trêmula pele cheia de rugas lhe pediu: Mestre, fale-nos sobre Deus...” Mestre Benjamim fez silêncio. Olhou para o vazio. Vagarosamente um sorriso foi-se abrindo. “Quantas pessoas aqui, na minha tenda, estão pensando no ar? Por favor, levantem uma mão...” Ninguém levantou a mão. “Ninguém levantou a mão... Ninguém está pensando no ar. E, no entanto, todos nós o estamos respirando. O ar é a nossa vida e não precisamos pensar nele nem dizer o seu nome para que ele nos dê vida. Mas o homem que se afoga no fundo das águas só pensa no ar. Deus é assim. Não é preciso pensar nele e pronunciar o seu nome. Ao contrário, quando se pensa nele o tempo todo é porque está se afogando... “Que desejamos para os nossos filhos? Que eles sejam felizes. Sorrimos ao vê-los por aí a correr, a pular, a cantar, a brincar, pensando nas coisas de criança. Mas enquanto brincam e riem eles não pensam em nós. Se um filho ao se levantar viesse até você e o elogiasse, e agradecesse porque você lhe deu a vida e jurasse amor para sempre, e fizesse a mesma coisa na hora do almoço, e repetisse os mesmos gestos e palavras ao meio da tarde, e de noite fizesse tudo de novo, suspeitaríamos de que alguma coisa não está bem. O que desejamos é que eles gozem a vida sem pensar em nós. Quem pensa demais e fala demais sobre Deus é porque não o está respirando. Fez-se silêncio. Foi quando uma lufada de vento entrou pela tenda, fazendo balançar a lâmpada de óleo que pendia do teto. “Deus é como o vento. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. Mas não sabemos de onde vem nem para onde vai. Na flauta o vento se transforma em melodia. Mas não é possível engarrafá-lo. Mas as religiões tentam engarrafá-lo em lugares fechados a que eles dão o nome de “casa de Deus”. Mas se Deus mora numa casa estará ele ausente do resto do mundo? Vento engarrafado não sopra...” Ouviu-se então o pio distante de uma coruja. “Deus é como um pássaro encantado que nunca se vê. Só se ouve o seu canto...” “Deus é uma suspeita do nosso coração de que o universo tem um coração que pulsa como o nosso. Suspeita... Nenhuma certeza. Deus nos deu asas. Mas as religiões inventaram gaiolas. Tudo o que vive é pulsação do sagrado. As aves dos céus, os lírios dos campos... Até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é uma música do Grande Mistério.

É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida. Não precisamos dizer o nome “rosa” para sentir o seu perfume. Muitas pessoas que jamais pronunciam o nome de Deus o conhecem como reverência pela vida. Há pessoas que se sentem religiosas por acreditar em Deus. De que vale isso? Os demônios também acreditam e estremecem ao ouvir o seu nome (Tiago 2.19). Os homens religiosos, quando alguém morre, dizem: “Deus o levou para si”. Então, enquanto vivo, ele estava distante de Deus? Deus é Deus dos mortos ou Deus dos vivos? Deus não mora no mundo dos mortos. Ele mora no nosso mundo, passeia pelo jardim. Deus é beleza. Quer ver Deus? Veja a beleza do Sol que se põe, sem pensar em Deus. Quer ouvir Deus? Entregue-se à beleza da música, sem pensar em Deus. Quer sentir o cheiro de Deus? Respire fundo o cheiro do jasmim, sem pensar em Deus. Quer saber como é o coração de Deus? Empurre uma criança num balanço porque Deus tem um coração de criança, sem pensar em Deus. Há beleza demais no Universo. Mas o tempo vai-nos roubando as coisas que amamos. Vai-se o arbusto, vai-se a montanha, vão-se os riachos cristalinos, vão-se as pessoas amadas, vamos nós... O tempo é um monstro que devora os seus filhos. Fica a saudade. Saudade é a presença da ausência das coisas que amamos e nos foram roubadas pelo tempo. Quando se pronuncia o nome sagrado, está-se afirmando que a beleza amada não está perdida no passado. Está escrito num poema sagrado: “Lança o teu pão sobre as águas porque depois de muitos dias o encontrarás...” (Eclesiastes 11.1). As águas dos rios são circulares, o tempo é circular, o que foi perdido volta, um eterno retorno... Deus existe para nos curar da saudade... Eu gostaria de dar um conselho: “Não sejam curiosos a respeito de Deus, pois eu sou curioso sobre todas as coisas e não sou curioso a respeito de Deus. Não há palavra capaz de dizer quando eu me sinto em paz perante Deus e a morte. Escuto e vejo Deus em todos os objetos, embora de Deus eu não entenda nem um pouquinho... Eu vejo Deus em cada uma das vinte e quatro horas e em cada instante de cada uma delas, nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo Deus...” (Walt Whitman) “Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos, e dar-nos-á verdor na sua primavera e um rio aonde ir ter quando acabemos.” (Alberto Caeiro) Ouvidas essas palavras a velhinha sorriu para o Mestre Benjamim e fez um gesto com a sua mão, abençoando-o.


* Texto condensado do livro Perguntaram-Me Se Acredito em Deus (Ed. Planeta).

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